Recordo o dia 25 de Abril de 1974 de forma muito viva.
O 25 de Abril apanhou-me com 14 anos em Moçambique, Quelimane, uma pequena cidade na foz do rio Bons Sinais. Rio onde supostamente Vasco da Gama embarcou o piloto local que o ajudou a fazer o percurso final até Calcutá, onde chegou a 20 de Maio de 1498.
Foi um dia de excitação, de notícias dispersas e confusas sobre a revolução em Lisboa e o que ela poderia significar. Percebeu-se logo que o que viria seria uma mudança sísmica ao nosso mundo pacato e esquecido na costa oriental de África.
Foi sem qualquer dúvida um grande dia, onde as Forças Armadas encerraram definitivamente um regime ditatorial e colocaram em marcha um conjunto de acontecimentos com impacto verdadeiramente global.
Para nós, habitantes no império colonial, foi o fim de uma forma de vida e o início de uma retração para Portugal Continental. Para as populações e países que nasceram da independência pós revolução, uma nova liberdade mas também um caminho cheio de problemas que ainda hoje perduram de alguma forma. A liberdade plena não se consolidou nessas paragens, salvo raras exceções, desenvolveram-se conflitos internos intensos com milhares de mortos e propriedade destruída e com o êxodo português perdeu-se conhecimento e capacidade que atrasaram em muito o desenvolvimento desses países.
Em Portugal pelo contrário, a liberdade afirmou-se num novo regime democrático que se veio a solidificar nos dois anos seguintes; Essa nova liberdade esteve ameaçada. Por pouco não descaímos noutra ditadura de sinal contrário, ou ainda mais extremista de mesmo sinal. No entanto, a população e o bom senso político dos militares da revolução e dos políticos libertos e retornados, ajudaram a evitar o retorno a uma qualquer forma de ditadura, como ocorrido em muitos processos revolucionários na história contemporânea, edificando assim a nossa democracia liberal.
Foram tempos de liberdade a que não estávamos habituados, contestatária de tudo, algumas vezes vertiginosa, mas que hoje agradecemos a essa geração a construção de um regime livre e democrático que perdura desde então. Nesse sentido o 25 de Abril de 1974, foi uma mudança total, pondo fim a uma ditadura de meio século. E neste ano celebra-se também a eleição, mais participada de sempre em Portugal, para a Assembleia Constituinte de 1975, um momento cívico marcante da nossa história.
No palco internacional, quer no processo de descolonização, quer no processo político interno, a luta entre o Ocidente – OTAN, e o Oriente Pacto de Varsóvia e China intensificou-se. A Revolução dos Cravos ficará certamente na história Mundial, foi uma mudança significativa e influenciou o mundo decisivamente. Este só viria a sentir outra mudança sísmica em 1989, com a queda do Muro de Berlim.
Hoje, aos jovens, será difícil perceber o que se viveu em Portugal nesse período. Mas, se pudesse resumir diria: O fim de um regime ditatorial com cerca de meio século; o fim do império quinhentista português, a liberdade e independência dos territórios ultramarinos; a criação de uma democracia liberal evitando uma outra ditadura resultante da revolução; uma mudança e novos posicionamentos no contexto dos equilíbrios geoestratégicos mundiais; o retorno a Portugal de centenas de milhares de portugueses das ex-colónias e o renascer de um novo Portugal.
Devemos muito aos militares de Abril, aos políticos e militares do 25 de novembro de 1975, pela liberdade, paz e prosperidade adquiridas.
Viva a Liberdade, viva a Democracia.
Henrique Gouveia e Melo